Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio! (Sl 15)
Primeira Leitura (At 2,14.22-32)
Salmo: 15
Evangelho (Mt 28,8-15)
Nessa oitava da páscoa, celebramos, nas alegrias do Ressuscitado, também o caminho de alegria em Cristo, não necessariamente uma alegria que brota dos espaços externos da vida social, enfim, das festividades, ainda mais no contexto em que vivemos, de afastamento das aglomerações, mas uma alegria que brota do estado da alma. Então vale a pena, sim, perguntar pela alegria de Cristo Ressuscitado em nossas vidas.
Na primeira leitura do livro dos Atos, encontramos o testemunho corajoso de Pedro. “Pedro, de pé, junto com os 11 apóstolos, levantou a voz”. Uma expressão bonita que, às vezes, alguns do interior de Minas gostam de usar é o pai falando pro filho: “não levante a voz contra mim”! Mas aqui temos o contrário, Pedro levantou a voz diante da multidão, ou seja, a sua voz adormecida ou tímida, resguardada, pelo medo de assumir com o mestre o seu seguimento, finalmente aqui, nos Atos, ela chega despertada, “levantou a voz e falou à multidão”. E o que Pedro falou? Pedro recordou o caminho de Jesus, o Nazareno, e como foi que Ele viveu, anunciou, sofreu, o que Ele fez, os sinais, as realizações que Ele trouxe para falar do Reino de Deus, da sua origem, de quem Ele era, do projeto do Pai, da sua vontade, enfim, da sua morte e da sua ressurreição. E Pedro, ao levantar a voz, faz isso com uma coragem que só é possível por aqueles que, de fato, assumem o seguimento de Jesus Cristo com a coragem de anunciar o Evangelho, não de agradar as pessoas ou de ser agradado.
Por isso a voz e Pedro, que se levanta na multidão, contrasta com aquele Pedro covarde, amedrontado, que negou o Mestre por três vezes antes que o galo cantasse. O testemunho de Pedro fala de uma ressurreição interior na vida dele, aquele que estava nas trevas, no medo, aquele que estava encurvado sobre o peso de seus pecados, que experimentou o Ressuscitado e tornou-se uma pessoa cheia de coragem, uma pessoa capaz de assumir, agora em público, a assinatura de Cristo no seu jeito de viver. Pedro levanta a voz. Por quê? Porque ele traz a assinatura, podemos, assim dizer, que ele traz a marca de Cristo Ressuscitado, a autoria de sua coragem não é humana, traz a marca do vivente, daquele que morreu e ressuscitou: Jesus Cristo.
Por isso, quando nós pensamos também nesse tempo pascal, na nossa própria vida, nos nossos desafios, nos nossos medos, nas nossas comodidades, enfim nas nossas preguiças espirituais, sociais e eclesiais, tudo aquilo que é expressão do pecado, da limitação e até da doença, em Cristo pode ser ressignificado, em Cristo tudo pode ter um grande sentido. E Pedro aqui nos ensina esse caminho, o caminho que sai do medo para a coragem, o caminho que sai da dificuldade de aceitar o mestre crucificado e morto para assumir o ressuscitado e todas as suas consequências em sua vida. O caminho de Pedro de sair daquela personalidade sanguínea, colérica – eu vou e faço acontecer e tudo mais – para um Pedro mais humilde, para um Pedro mais tolerante, inclusive com seus próprios processos. Um Pedro capaz de pensar antes de falar, capaz de agir com aquilo que fala, portanto, um novo Pedro. E esse novo Pedro, da primeira leitura, tem uma causa, tem um sinal, tem uma marca, uma assinatura: Cristo Ressuscitado.
O caminho dos Atos dos Apóstolos vai se dar numa outra dinâmica cronológica litúrgica diferente dos evangelhos, na perspectiva Pascal. Pedro, no Evangelho vai assumir a sua fé com Cristo lá na frente, na Páscoa, quando ele disser: “meu Senhor e meu Deus”, “Pedro tu me amas? Pedro tu me amas?” “Sim, Senhor, tu sabes tudo”. É nessa perspectiva petrina que nós encontraremos a sua superação. Mas, enquanto isso, a leitura já vai sinalizando, falando para nós do caminho de Pedro.
Ora, meus irmãos, no salmo 15, o Senhor nos convida, se nós quisermos, a fazer o mesmo caminho de Pedro, “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio”. Em tempos tão difíceis, meus irmãos, de tomar decisões, de processos, de compreensão ampla da vida, das pessoas, da comunidade, dos servidores, da sociedade no campo do trabalho, da política, da saúde pública, da educação, como é importante aqueles que trazem processos de decisão a serem tomados, a colocá-los sob o olhar da fé. “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio” é a súplica de quem confia em Deus as suas decisões e não age de forma insana, impensada, como Pedro antes de se transformar no Cristão, naquele que traz a marca de Cristo na vida, como acabamos de ver.
Então a voz do salmista nos ajuda a rezar esse desejo de sermos guardados em Deus, porque Ele é quem nos refugia. Tem gente que, nessa pandemia, faz do poder o seu refúgio, faz do dinheiro o seu refúgio, faz do apego exagerado às pessoas o seu refúgio. Mas o Senhor nos propõe, na Páscoa, que Ele seja o nosso refúgio e não coisas, pessoas, dinheiro, poder, vaidade o que quer que seja, realidade essa que, inclusive, na pandemia, é posta em xeque. Qual sentido de acumular dinheiro numa pandemia? Qual sentido de viver a serviço da ditadura da beleza numa pandemia? Qual sentido de ter muito poder, o poder pelo poder numa pandemia? E assim podemos pensar em todas as áreas onde as pessoas podem se equivocar, fazendo delas o seu refúgio, porque todas são precárias diante da pandemia, são frágeis, transitórias, finitas, feitas do barro. E não faltam, meus irmãos, nesse sentido, exemplos que nos ajudam a compreender que, de fato, na pandemia, a nossa força vem de Deus, a nossa coragem vem de Deus, aquilo que nós podemos buscar de sentido e nos apegar, nos apoiar vem de Deus, o nosso refúgio. Por isso, o salmista nos ajuda a compreender, e com uma beleza toda especial, que no Senhor nós redirecionamos os nossos caminhos para sermos felizes diante de todas as realidades que podemos experimentar.
E por fim, no Evangelho de São Mateus, encontramos Jesus, o Ressuscitado, também na experiência das mulheres que vão ao sepulcro logo de manhã. E elas correm com alegria para dar, aos discípulos, a notícia da ressurreição de Jesus. Então Jesus vai ao encontro delas e diz: “Alegrai-vos”! As mulheres se aproximaram e prostram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. Então Jesus diz: “Não tenhais medo, ide anunciar aos meus irmãos, que se dirijam para a Galileia, lá eles me verão.” A Galileia é o recomeço. A Galileia é onde Jesus começou a anunciar o Evangelho. Então, meu irmão, minha irmã, onde é a sua Galileia hoje? Qual é o lugar do recomeço que esta ressurreição de Jesus te conduz? Onde quer que seja, não deixe fora do seu alforje a alegria. Alegrai-vos é a primeira palavra de anúncio de Jesus. E essas mulheres, ao partirem dali e irem em direção aos discípulos, contrastam com o anúncio dos soldados que vão espalhar a notícia, por causa do medo das consequências do ressuscitado, “então os soldados pegaram o dinheiro que o governador deu” e ali espalharam a primeira FAKE NEWS do cristianismo: “roubaram o corpo de Jesus, e o boato espalhou-se entre os Judeus até o dia de hoje”.
Bem, meus irmãos, dizem os pensadores contemporâneos que uma mentira repetida mais de mil vezes se torna uma verdade. E você, em que tem acreditado nesse momento? De fato, na palavra verdadeira de Cristo? ou em qualquer palavra que até podem usar o nome de Cristo? De fato, aquele que nos convida à alegria do ressuscitado nos conduz às nossas Galileias para que possamos refazer o caminho na certeza de que aquele que viveu, morreu e ressuscitou por nós caminha entre nós.
Padre Marcelo Silva, sss
Superior Provincial
Província Nossa Senhora de Guadalupe
Homilia da Celebração Eucarística – 05/04/2021